Da desconfiança que nasce em nós.

Semana passada fui ao hospital de madrugada levar uma amiga e, por conta do horário, tive que estacionar o carro em um lugar meio afastado. Para completar, ainda caia uma chuva daquelas de alagar as ruas e fazerem as árvores se balançarem de forma assutadora. Mas estacionei tranqüila, desliguei o som do carro, peguei minha bolsa e quando fui abrir a porta, vi que tinha um senhor, todo sujo, sem dentes, encostado no vidro do carro e falando algo que não entendi de imediato. Óbvio que senti um arrepio de medo naquele momento. Respirei fundo e mesmo na chuva, abri o vidro do carro (até porque se fosse assalto, não teria como eu sair daquela situação). Ele calmamente me disse boa noite e me ofereceu o guarda-chuva dele. Disse que tinha me visto deixar uma pessoa no pronto-socorro e que como a chuva estava muito forte, eu ia me molhar muito, no trajeto do carro ao hospital. Passado o susto inicial, pude perceber que era apenas um morador de rua, sendo gentil com uma mulher no meio de uma tempestade.

O meu medo inicial se transformou instantaneamente em vergonha de mim mesma e fiquei super mal naquela noite. É desolador o que a insegurança nos transforma. Deixamos de perceber pequenos atos de gentileza e humanidade por conta de uma sensação constante de violência que somos expostos todos os dias. Um cidadão, que está exposto diariamente a criminalidade, que não sabe aonde dormirá ou o que irá comer todos os dias estava ali, diante de mim, preocupado com a chuva e indiretamente com a minha segurança.

Tenho pleno conhecimento da realidade que vivemos mas faço um exercício diário de não me deixar contaminar pela violência. Sempre que alguém se aproxima de mim, seja quando estou parada dentro do carro, ou numa mesa de bar eu sempre paro o que estou fazendo e dou atenção à pessoa que está ali, pedindo uma ajuda. Muitos amigos me criticam, dizendo que dou muito papo para “malandro” mas eu não estou nem ai. Sei que muitas dessas pessoas que estão nas ruas, querem algo além de dinheiro: querem atenção e respeito dos outros. Cansei de ficar conversando com estranhos e no final eles me agradecerem pela atenção e dizer que aquela conversa fez o dia deles mais feliz. Assim, por conta dessa minha postura mais aberta, me senti tão mal por ter desconfiado daquele senhor que só queria ser gentil comigo. Não adianta reclamarmos diariamente do caos que está nosso país se nós mesmos não nos mexemos para mudar a pequena realidade que nos rodeia.

Por isso, creio que devemos diariamente tentar ver além do nosso mundinho. Temos que nos permitir ver o que está ao redor e procurar entender o outro, deixar a desconfiança de lado o máximo que pudermos e assim nos permitir, aos poucos, recuperar a crença na humanidade e vermos como no final, somos todos iguais.

15 comentários em “Da desconfiança que nasce em nós.

  1. Gostei muito do texto, me faz lembrar as muitas vezes que assim como você dava atenção para essas pessoas, que como nós tem os mesmos medos, sonhos e atenção. Hoje em dia estamos tão prontos a nos refugiar-nos em nosso mundinho e esquecemos do próximo.

  2. Eu tenho sentimentos muito parecidos. E fico envergonhada quando julgo alguém pela primeira impressão.
    Concordo com você que temos que mudar isso e cada pequeno gesto é importante.
    Mas, ao mesmo tempo, acho muito difícil… Vivemos em um país excessivamente violento, com um dos maiores índices de homicídios do mundo, maiores do que muitos países em guerra. O que fazer?
    Eu não sei…

    1. É verdade! É uma dicotomia muito forte. Ao mesmo tempo que tentamos ser mais humanos e gentis, temos que nos preservar para nos blindar contra possíveis atos de violência. Eu também não sei bem o que podemos fazer mas tento ao máximo não me endurecer tanto com tantos acontecimentos violentos e tristes…

  3. Excelente texto! Retrata a nossa realidade nessa vida louca e insegura, porém cheia de preconceitos, receios e medos… Não dá pra andar na rua “desarmada” (em termos de atenção), mas julgar alguém pela aparência não pode ser uma justificativa plausível para tudo isso!

  4. Muito bom saber que ainda existem pessoas que pensam em fazer o bem e o faz. Sei como é essa sensação de desacreditar em algo ou alguém por quê nossa sociedade nos “obrigar” a isso, o que é triste! Continue nesse caminho de querer escutar os menos favorecidos, estudo psicologia pra isso. Quero ser uma “escutadora” de histórias. Parabéns

    1. Oi Vane! Muito, muito obrigada pelo seu comentário! E bom saber que você divide o mesmo ponto de vista né… e boa sorte nos seus estudos! Psicologia é uma arte! Sou da área jurídica mas fiz umas cadeiras de psicologia juridica e fiquei apaixonada! beijos

  5. Nossa, que coisa legal aconteceu com você! :’) É muito bom saber que ainda existem pessoas boas nesse mundo. Não precisa se sentir envergonhada por ter pensado o pior.. Com todas as notícias horríveis que lemos todos os dias, seria loucura não pensar o mesmo. Você está certa, temos que recuperar a confiança mesmo! Beijo.

    Flor, quando puder (e se quiser, lógico) dá uma passada no meu blog depois?
    Vou gostar muito da sua visita! http://www.maridx.wordpress.com

  6. Infelizmente somos tão expostos à maldade, que acabamos por ficar com um pé atrás com tudo e todos. Acho muito triste o ponto a que chegamos…essa insegurança está tão impregnada em nós que, de forma automática,esperamos sempre o pior das pessoas…Precisamos buscar perceber as coisas por outro ângulo…nem tudo são flores, mas também nem tudo são espinhos…Bela refelexão!

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